quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Concursos muito pouco públicos...


A quantidade de designações de cursos superiores em Portugal parece obedecer à segunda lei da termodinâmica, ou seja com o tempo a confusão aumenta e não tarda nada não se encontrarão dois cursos com a mesma designação. Mas o objectivo deste post não é lamentar-me sobre a falta de organização na oferta de cursos em Portugal, mas mais reflectir sobre os mecanismos de contratação de pessoal na Administração Publica.

Notícia o Público aqui, que o Ministério da Educação alargou o prazo de colocação de professores para 4 anos, como tinha já sido previsto e que também mudou a forma de colocação cíclica dos professores, para satisfazer necessidades pontuais. Aqui, passam as escolas a poder escolher de uma bolsa de recrutamento de professores disponíveis que serão colocados respeitando os critérios de graduação profissional e da manifestação das respectivas preferências.

Isto, à partida, parece-me uma excelente ideia pois não permite que as habituais areias na engrenagem (há quem lhes chame cunhas), possam fazer emperrar o sistema. Porque não alargar o sistema a toda a administração pública e, caso esta esteja interessada, à administração local?

O sistema actual de contratação para funções públicas, apesar de enquadrado por lei, no sentido de garantir a igualdade dos cidadãos, na prática permite, pela manipulação do conteúdo funcional e da área de licenciatura/formação, que os serviços escolham um indivíduo, muitas vezes pré-determinado ainda antes do concurso ser aberto.

Uma olhadela rápida à bolsa de emprego público, revelam-nos alguns exemplos:

Uma universidade contrata:
3 – Conteúdo Funcional:
Certificação da informação constante das bases de dados de alunos das Unidades Orgânicas;
Configuração da informação para efeitos de produção de diplomas;
Trabalho em rede com os serviços académicos das Unidades Orgânicas;
Tradução para inglês e verificação dos conteúdos do Suplemento ao Diploma;
Utilização do programa SIGES (Sistema Integrado de Gestão do Ensino Superior), nomeadamente das aplicações CSE – Controlo de Sistema de Ensino, CME – Controlo do Módulo de Estatísticas e SD – Suplemento ao Diploma;
Respostas a diversos pedidos de informação acerca de várias questões relativas ao Ensino Superior;
Apoio na elaboração de textos, a traduzir para francês e inglês, em resposta a solicitações externas.
4 – Requisitos Gerais:
4.1 – Licenciatura em Psicologia
5 – Requisitos Especiais:
Boa fluência falada e escrita em Inglês e Francês.
6 – Condição de admissão:
Experiência comprovada de, pelo menos 2 anos, nas áreas referidas no ponto 3.

Aqui colocam-se várias questões:
Porquê uma licenciatura em psicologia quando o trabalho é claramente de gestão de dados? Porque não alguém com uma licenciatura em sociologia, em história, em matemática aplicada?

Serão todos os requisitos apresentados fundamentais? Quantos portugueses os poderão cabalmente preencher e provar experiência de dois anos? Aqui a resposta é fácil... Provavelmente apenas 1!

Outro exemplo:
Universidade contrata...
Conteúdo Funcional: apoio à integração profissional dos licenciados, apoio aos órgãos de gestão, relações externas nomeadamente com empresas,etc
Habilitação Literária: Licenciatura
Descrição da Habilitação: Direito

Aqui já foram mais comedidos em termos da experiência exigida, limitando-se a pedir experiência na área e bons conhecimento de línguas estrangeiras.

Mas novamente se pergunta! Porquê direito e não relações públicas, psicologia, assessoria de direcção ou qualquer um outro?!

É tragicamente curioso que o serviço que visa facilitar a inserção na vida activa de diplomados desta universidade, seja o primeiro a condicionar o seu emprego.

E estamos a falar de instituições de ensino superior, que teriam todo o interesse em combater este tipo de afunilamentos de forma a ampliarem as oportunidades de emprego dos seus diplomados. Infelizmente a prática é generalizada a toda a administração e num concurso público, com poucas vagas, assume-se sempre que estas já estarão "ear marked" ou pré-destinadas.

A realidade é cruel. Quantas mais designações para formações superiores, mais fácil é condicionar um concurso.

Existem boas práticas lá fora... por exemplo, no Reino Unido, as primeiras fases de selecção são anónimas e assim quem está a seleccionar os candidatos apenas tem acesso às suas qualificações académicas e profissionais, desconhecendo o nome, etnia, sexo, idade e todas as outras informações pessoais.

Na Suécia, onde grande parte da administração está dividida em agências, a contratação é feita por uma secção especializada que recebe os requisitos por parte dos serviços e coloca os candidatos usando técnicos especializados em recrutamento e selecção.

Na notícia referida no início, a Ministra da Educação refere a ideia do reforço da autonomia das escolas mas propõem um sistema centralizado para que estas escolham os seus professores. Não posso deixar de concordar e de dizer que ao nível da contratação de pessoal, outros ministérios deveriam seguir o exemplo, pelo menos até à altura em que Portugal deixe de ser o país da "cunha e do jeitinho".

1 comentário:

Nuno Félix disse...

Excelente post Paulo! Venham mais desses... Vai estando atento ao Diário da Républica ;)