O Procurador-Geral da República deu hoje uma entrevista ao Diário de Notícias em que pôs o dedo na ferida em alguns dos males do funcionamento do Ministério Público. É uma entrevista polémica. E bem se compreendem as reacções que já gerou: o Procurador-Geral da República é entidade que comanda todo o Ministério Público e, por isso, as acusações e as considerações que dirige de forma tão aberta e clara ao Ministério Público e, em particular, aos seus agentes, só podem fazer ricochete e enfraquecer a sua posição interna e externamente.
Mas concentremo-nos no essencial e deixemos o folclore estival de alguns partidos políticos: o Procurador-Geral da República tem ou não tem razão em quase tudo o que diz? É claro que tem. Vejamos dois pontos fulcrais da entrevista:
- O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público é “um mero lobby de interesses pessoais que pretende actuar como um pequeno partido político”? Ninguém tem dúvidas disso. Ninguém compreende que uma entidade que assegura a representação do Estado possa agregar-se num sindicato que não visa mais do que atacar o próprio Estado e não defender os magistrados. É vê-los diariamente na comunicação social a acusar não só o poder político como os magistrados judiciais e os advogados. Entendamos: o Ministério Público não deve comentar a Justiça e o estado da Justiça. O Ministério Público deve reservar a sua representação institucional ao respectivo poder hierárquico. E essa representação é feita pelo Procurador-Geral da República. O Ministério Público deve ser autónomo tecnicamente na condução das suas investigações mas o resultado do seu trabalho não pode deixar de ser sindicável e de ter efeitos no quadro de uma hierarquia que imponha uma disciplina interna clara.
- O despacho recente dos dois procuradores sobre o processo Freeport demonstra a falta de escrutínio da actividade de investigação criminal conduzida pelo Ministério Público. E Pinto Monteiro tem razão: “os investigadores ouviram quem quiseram, como quiseram e onde quiseram. Não há nenhuma explicação credível para não ter sido ouvido quem quer que seja, a não ser que não existissem razões para isso ou os responsáveis pela investigação (por qualquer motivo desconhecido) não o quisessem fazer. Acresce que o prazo limite foi proposto pela senhora directora do DCIAP e podia ter sido prorrogado, bastando para isso que a prorrogação fosse requerida. É um facto do conhecimento de todos os juristas, excepto daqueles comentadores profissionais que fingem ignorá-lo”. Alguém tem dúvidas das verdadeiras intenções dos dois procuradores ao deixarem lavrado assim, sem mais, 27 (!) perguntas a fazer ao Primeiro-Ministro?
Duas coisas são claras: o PSD quer ver a cabeça do PGR rapidamente a rolar, mas, atenção, que o mandato do Procurador-Geral da República tem a duração de seis anos e, por isso, o juiz conselheiro Pinto Monteiro apenas termina o seu mandato em 7 de Outubro de 2012; quem vai mandando em Portugal, em alegre convívio com uma comunicação social ávida por casos mediáticos, são os magistrados do Ministério Público e seu Sindicato. Alguém se lembra das propostas do PSD no seu revolucionário projecto de revisão constitucional para mudar este estado de coisas? Podem procurar. Não há uma proposta nem para melhorar o sistema de justiça em geral, nem para rever o papel do Procurador-Geral da República e do Ministério Público.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
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1 comentário:
Olá, sou um cidadão comum e anónimo deste Portugal, um mero observante, sem estar na política ou ligado a qq partido. Apenas falo o que sinto. E o que sinto é o que está à vista: estes magistrados borraram a escrita toda ao fazerem o que fizeram. Foi pior a emenda que fizeram que o soneto que comporam. Só um atrasado mental é que se fia que não houve tempo, em 6 anos de processo, para perguntar o que havía a perguntar. Sócrates sai ilibado do processo, mas graças aos magistrados e ao seu apêndice, acabaram por fazer dele mártir ao olhos do povo. Se havía que mostrar ao povo que Sócrates esteve estes anos todos a ser vítima de uma armadilha montada desde a tal famosa carta "anónima", os magistrados do processo, sem o querer, acabaram por a dar. A partir daqui dificilmente haverá volta a dar, pois tal como Marinho Pinto alertou, o povo não é estúpido, embora estes magistrados o quiseram tratar como tal.
Considero este deslize dos magistrados só comparável ao deslize comprometedor de Passos Coelho ao revelar as propostas magníficas de neoliberalizar despedimentos sem justa causa - UM HORROR.
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