quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Ai Timor (IX)
"Tudo ainda não aconteceu"
A ferida feia no corpo de Ramos-Horta, quando o Presidente jazia numa poça de sangue depois de levar dois tiros de cano-longo, é um buraco tão fundo como a vergonha da nação. A ressurreição do profeta-Nobel criou um cristo gnóstico mas as chagas, nesta terra dilacerada, já não fundam religiões com a facilidade com que há dez anos fundavam Estados.
Díli, como um circo máximo de gladiadores, fervilha de jovens empurrados para a luta. Não têm emprego, educação ou perspectiva. Alguém lhes diz: "Não sois bandidos. Sois guerreiros." Mas dos aswain, os heróis das montanhas timorenses, resta-lhes a coragem física, um retalho de rituais dispersos por grupos rivais e a intransigente sacralização do seu território. Uma mistura inflamável para toda a nação. "A resistência continua mas agora sem rumo. E, sem rumo, só faz merda", diz o ex-assessor de Ramos-Horta para a Juventude José Sousa-Santos.
"Tudo ainda não aconteceu", avisava um "espírito" antepassado, pela voz de uma menina de Ermera, no Natal ainda inocente de 2005.
retirado de Pedro Rosa Mendes, "Timor-Leste A ilha insustentável", publicado em 25.11.2008 no jornal PÚBLICO
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1 comentário:
Tudo é mau...
...tudo está podre, tudo vai morrer! É o que se retira do mencionado artigo! Não é apresentada uma proposta de solução, não é mostrado um sinal de esperança...
Dir-se-à: o dever do jornalista não é propor soluções nem criar esperanças, mas sim apresentar a realidade, tal como ele a vê. De acordo, mas não é também dever do jornalista apresentar todos lados da questão, pois só assim a realidade se deixa ver??
Neste caso, os 2 lados da questão seriam:
1 - Os que vêm os anos desde a independência como uma espiral infinita de corrupção, miséria e violência,
2 - Os que acham que embora os progressos registados estejam a ser lentos, valeu a pena lutar pela liberdade e vale a pena continuar a lutar pelo progresso.
Em relação ao primeiro ponto de vista, o artigo é pródigo em factos, estatísticas e depoimentos. E o outro ponto de vista? Nenhum timorense viu a sua vida melhorar? Nenhuma organização internacional fez algo de válido no país? Nenhum indicador melhorou desde a independência??
Admitamo-lo: muitos milhares de portugueses (entre os quais eu me incluo) envolveram-se emocionalmente na luta de Timor-Leste pela liberdade: desesperaram com os massacres, repudiaram o silêncio cúmplice de algumas grandes potências e finalmente exultaram com a independência. Este empenho pode ter retirado alguma clarividência e talvez tenhamos inventado nas nossas cabeças e corações um Timor-Leste doente e torturado que, depois de beber o elixir mágico da liberdade se tornaria, da noite para o dia, forte e feliz...
A realidade é (sempre) mais complexa que o sonho, e já estava na altura de acordar. Mas a alternativa ao sonho é a realidade e não o pesadelo, e é precisamente um pesadelo - e não a realidade com as suas "nuances" e perspectivas antagónicas - que nos é "vendido" no artigo. A fazer fé neste, o que há a fazer é cessar imediatamente qualquer apoio internacional e esperar ao largo de Díli pelo inexorável: o tenebroso som da implosão da nação timorense!!
Este pesadelo eu não compro!
Encaro pois o artigo como um (muito bem escrito) grito de alerta, um "wake-up call" doloroso mas necessário, mas de tal modo impregnado em miserabilismo e negativismo, que acaba por perder boa parte da sua credibilidade e utilidade.
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