quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ai Timor (IV)


A estratégia dominante na sociedade está tipificada no Código Penal. Chama-se extorsão

A simpatia pela "causa" timorense estagnou num ideal de sociedade e de pessoa que é desmentido pela frustrante experiência quotidiana. Ignorância, trauma, miséria e negligência, polvilhados com os venenos da complacência, paternalismo e piedade, banalizaram comportamentos de rapina, desonestidade, egoísmo e má-fé. A solidariedade, a generosidade e a gratidão estão em minoria. O que é marginal ou criminal noutros sítios faz, no Timor de hoje, catecismo nas repartições, nos negócios, no mercado, no trânsito, no lar.

A "liderança histórica" reina sobre um país intratável, em passiva desobediência civil, que pensa e age como se todo o mundo lhe devesse tudo e como se tudo estivesse disponível para ser colhido, do petróleo ao investimento e à atenção internacional. A cobiça e a inveja social infectam a esfera política, social, laboral e até familiar. "Aqui todos mandam e ninguém obedece", para citar um velho timorense educado em princípios que deixaram de ter valor corrente no seu país.
A "estabilidade" actual é comprada com um Natal todos os dias. Tudo é subsidiado, desde o arroz ao combustível, com uma chuva de benesses e compensações a um leque impensável de clientelas e capelas. A sociedade civil, digamos, é uma soma de grupos de pressão que recebem na mesma moeda em que ameaçam com incêndios e pedradas, desde os deslocados aos peticionários ou aos estudantes.

Todo esse dinheiro nada produz. Algum sai para a Indonésia, que os novos-ricos timorenses consideram um sítio mais seguro para investir. O que fica compra motorizadas e telemóveis. A Timor Telecom vai fechar o ano com 120 mil clientes na rede móvel, 12 por cento da população, uma taxa ao nível de países com o triplo de rendimento per capita do timorense.

A maioria dos timorenses não paga o que consome: água, electricidade (por isso o consumo aumenta 25 por cento ao ano, um ritmo impossível de acompanhar por qualquer investimento nas infra-estruturas), casa, terra, crédito, arroz. Este modelo de pilhagem e esbanjamento é insustentável na economia, na banca, na ecologia, na demografia e, a prazo, até na política.

retirado de Pedro Rosa Mendes, "Timor-Leste A ilha insustentável", publicado em 25.11.2008 no jornal PÚBLICO

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