quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Ai Timor (III)
O Estado independente é sabotado pelas estruturas da resistência
O Estado timorense funciona. Não significa, porém, que produza algum resultado, exceptuando a Autoridade Bancária de Pagamentos, única instituição onde a aposta na localização de quadros e a recompensa do mérito fizeram do futuro banco central um oásis de probidade nórdica.
As estruturas operativas do país são paralelas, oficiosas e opacas. Vêm do tempo da resistência e não houve coragem ou inteligência para as formalizar no jovem Estado.
Um caso óbvio é o dos veteranos das Falintil que não integraram as novas Forças de Defesa (FDTL). Em 2006, foi a 200 desses "civis" que o brigadeiro-general Taur Matan Ruak recorreu num momento crítico de sobrevivência do Estado. O Estado-Maior timorense está, porém, a contas com a justiça. Se passar da fase de inquérito, talvez o processo das armas e da milícia "20-20" abra um debate que devia ter acontecido antes. O lugar das "reservas morais" tem de ser formalizado, sob pena de não haver linha de separação entre patriotismo e delinquência. O major Alfredo Reinado ilustrou, de forma trágica, a facilidade deste salto.
As estruturas paralelas, porém, não são exclusivo do sector de segurança. O ex-comandante Xanana Gusmão não esconde que a Caixa, a rede clandestina de "inteligência", continua activa. As fidelidades, mas também os reflexos e atavismos da resistência, continuam em vigor. A "velha" voz de comando é, por vezes, a última instância e, mesmo em Conselho de Ministros, o último argumento é por vezes o voto de qualidade por murro na mesa.
José Ramos-Horta, diasporizado das Falintil e do mato até 1999, não tem cão mas caça com gato. O chefe de Estado, em linha com os símbolos maçónicos debruados nas suas camisas, é desde há dois anos o segundo "pai" da Sagrada Família. É uma sociedade fundada em 1989 pelo comandante Cornélio Gama "L7", que evoluiu para uma combinação algo mística de grupo religioso, partido político e milícia justiceira. Foi "L7", com a bênção de Xanana Gusmão, que apresentou a candidatura de Ramos-Horta à Presidência em Fevereiro de 2007, em Laga. Vários elementos da Sagrada Família integram a guarda do chefe de Estado.
A República timorense é limitada e sabotada pela recorrência do ocultismo, apadrinhamento, vassalagem e mentalidade de célula. No entanto, se não fossem as redes informais de confiança e de comando, por onde passam também os códigos de fidelidade e os valores de grupo, a RDTL já teria implodido.
Versão moderna dos Estados dentro do Estado: a última contagem, confidencial, dá conta de 350 assessores internacionais junto do IV Governo Constitucional.
retirado de Pedro Rosa Mendes, "Timor-Leste A ilha insustentável", publicado em 25.11.2008 no jornal PÚBLICO
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário