Por princípio ideológico, caçar não é uma actividade que me atraia muito porque me parece, por um lado, que desde há muito que o Homem já não precisa de se dedicar a esta actividade por razões de subsistência alimentar e, por outro, que o Homem tem outras formas de se ocupar em actividades lúdicas. Mas acabo por reconhecer que existe uma forte tradição cultural em Portugal e que seria absurdo pura e simplesmente proibir esta actividade. Até porque também teríamos de usar os mesmos princípios para outra actividade aparentemente menos sensível: a pesca lúdica.
O que me aflige é o actual regime jurídico da caça, ou seja, as regras do jogo da caça. Também me parece aflitivo que a caça ainda possa ser definida, de forma lírica, como, e vou citar a Lei de Bases da Caça, “a forma de exploração racional dos recursos cinegéticos”, sendo estes “as aves e os mamíferos terrestres que se encontrem em estado de liberdade natural, quer os que sejam sedentários no território nacional quer os que migram através deste”. Exploração racional? Para mim, não pode deixar de ser uma tradição social muito enraizada, hoje destinada a ter um carácter recreativo.
Mesmo aceitando a caça como uma actividade económica de exploração racional, imagino que para efeitos de controlo de aves e mamíferos terrestres, ela não poderá deixar de ser realizada exclusivamente em zonas especialmente preparadas para o efeito, ou seja, bem delimitadas e separadas de zonas de habitação ou de zonas onde se exerçam outras actividades (por exemplo, rurais).
O actual regime da caça admite que uma determinada propriedade privada possa ser utilizada para a finalidade da caça porque apenas proíbe a caça, sem o consentimento de quem de direito, em algumas áreas (terrenos murados, quintais, parques ou jardins anexos a casas de habitação e quaisquer terrenos que circundem estas numa faixa de protecção que está fixada em 250 metros). Porque, para além da faixa de protecção de 250 metros, qualquer propriedade privada pode ser utilizada para caçar, mesmo sem o consentimento do proprietário. Isto não me parece próprio de um Estado de Direito. Até há um acórdão do Tribunal Constitucional (já me falaram dele, não o li, mas vou tentar descobri-lo) que já reconheceu a prevalência do direito a caçar sobre a protecção da propriedade privada.
É certo que a lei prevê o “direito à não caça”, mas mesmo esse suposto direito está definido como uma faculdade dos proprietários de requererem, por períodos renováveis, a proibição da caça nos seus terrenos, quando, a meu ver, o que deveria ser estabelecido era precisamente o contrário: o direito à caça em propriedade alheia deve apenas acontecer se tiver havido previamente consentimento do proprietário.
Mas há mais: a caça furtiva é uma realidade, o número de caçadores sem seguro obrigatório de responsabilidade civil é alarmante, as associações de caçadores (pela sua natureza) não podem ser acusadas de crimes de dano, a fiscalização pelas autoridades é inexistente (porque há um conluio muito grande entre estas e caçadores) e o SEPNA (serviço de protecção da natureza e do ambiente da GNR) não tem uma implantação territorial adequada.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
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