sexta-feira, 25 de julho de 2008

O ranking que saiu pela culatra


Duas das mais prestigiadas revistas ocidentais, a Foreign Policy e a Prospect, resolveram aproveitar o poder da internet para colocar uma sondagem online que iria dizer ao mundo quem se posicionava no topo do intelectualismo global. Só não estavam à espera que os vencedores não fossem “da casa”. Os 10 primeiros são todos islâmicos


POR HELENA OLIVEIRA
“Fethullan Güllen lutou pelo aceitar das diferenças entre fés e raças. A sua história de vida merecia um Prémio Nobel da Paz, e não apenas o lugar cimeiro na lista dos 100 maiores intelectuais do mundo”.Harun Tukak, presidente da Fundação de Escritores e Jornalistas, em declarações ao jornal turco, Today’s Zaman“Como é possível que o mundo muçulmano não tenha uma única universidade cotada no ranking das 500 melhores e que, ao mesmo tempo, produza os 10 melhores intelectuais eleitos através da sondagem realizada em conjunto pela Prospect e pela Foreign Policy?”.Andrew Norton, comentador político, no seu blogEle há tiros que saem pela culatra. Tudo começou quando a americaníssima revista Foreign Policy (FP) e a inglesíssima Prospect elegeram os 100 intelectuais “públicos” de topo do mundo. Economistas, escritores, filósofos, laureados com o Nobel, líderes religiosos, professores universitários, entre outras personalidades “cujas ideias influenciam os demais”, das mais diferentes partes do mundo, constavam do ranking. Mas, de seguida, as duas publicações resolveram pedir ao público que votasse nos 20 que maiores honras de destaque mereceriam. Ao longo de quatro semanas e mais de meio milhão de votos depois, os 20 mais foram divulgados e os 10 primeiros são todos... Islamitas. O resultado, inesperado não só para os editores das duas revistas, provocou uma onda de comentários na imprensa, mas é passeando na Internet que se chega aos mais recônditos contornos de um ranking que está a dar muito que falar.Em primeiro lugar, todos sabemos o quão subjectivo pode ser um ranking. Contudo, uns são, efectivamente, muito mais subjectivos que outros. E existem critérios mínimos a ter em conta quando se decide nomear um país, uma personalidade, uma cidade, uma escola ou seja lá o que for para que conste, para a posteridade, que x ficou em y lugar no ranking z. Esta é a primeira crítica que se faz aos responsáveis da Foreign Policy e da Prospect que elegeram, eles próprios, aqueles que deveriam constar no top 100 dos intelectuais mundiais. Os critérios exigiam que “os candidatos deviam estar vivos, ter voz activa na vida pública e que já tivessem demonstrado distinção na sua área particular de actividade bem como a capacidade de influenciar um debate alargado, para além das fronteiras dos seus próprios países”. A lista dos 100 eleitos incluía nomes tão díspares como o linguista e activista Noam Chomsky (que em 2005, a última vez que este ranking foi produzido, foi o primeiro classificado), o pai da microfinança e Nobel da paz, Muhammad Yunus, o Papa Bento XVI, o escritor Salman Rushdie ou o economista Jeffrey Sachs. Nestes poucos exemplos, torna-se evidente a diversidade dos eleitos, tanto ao nível das suas áreas de influência, como dos países que os viram nascer.Até aqui, nada a apontar. Opiniões são opiniões e rankings valem o que valem. O problema começa a colocar-se quando é anunciado, no website da Foreign Policy, que o público iria escolher os “20 mais” da intelectualidade global. E o que se esperava vir a ser uma consulta pública, acabou por se transformar numa bem-feita, pelo menos por alguns, campanha de marketing. E se avaliar a influência de outrem pertencente a determinada cultura já é difícil, imagine-se quando em disputa estão culturas, crenças e línguas distintas.O império muçulmanoO número 1 da lista é Fethullah Güllen, um líder religioso muçulmano da Turquia. Na verdade e como já foi referido, os 10 primeiros lugares são ocupados por pensadores muçulmanos provenientes de países com populações predominantemente islâmicas. “O que não é uma coincidência”, afirma Kate Palmer, uma das editora da revista americana. Para além do ranking ser altamente subjectivo, a sondagem transformou-se numa verdadeira competição vorazmente alimentada por legiões de apoiantes e, em alguns casos, pelos próprios intelectuais “a concurso”. Num dos muitos blogs visitados, o blogger afirmava até, com uma certa ironia, que não fazia ideia que o reputado economista Paul Krugman tivesse o seu próprio website e que nele fizesse publicidade a si próprio (embora sem resultados notórios).A surpresa começou a instalar-se na Foreign Policy quando, da noite para o dia, Güllen saltou para o primeiro lugar do ranking – e lá permaneceu. Contam os próprios editores da FP e da Prospect que, de início, julgaram que algum membro tecnologicamente hábil da Fethullahcy – o nome colectivo para os milhões de seguidores que Güllen tem por esse mundo fora - tivesse entrado no sistema e manipulado os votos. “Nós teríamos identificado o culpado, descontaríamos os votos, tudo voltaria ao normal e Noam Chomsky [que acabou por liderar os ocidentais com um 11º lugar] iria repetir a vitória de 2005”, afirmam. Só que a verdade se transformou em algo ainda mais interessante, como conta Tom Nutall, editor sénior da Prospect. No início de Maio, o Zaman, o jornal mais vendido na Turquia, com uma circulação superior a 700,000 e com várias edições internacionais, publicava, na sua primeira página, uma história sobre o aparecimento de Güllen no ranking e o facto de ambas as revistas estarem a convidar os seus leitores a votarem online. Nas semanas que se seguiram, o jornal – que se diz ser apoiante do movimento de Güllen – fez várias referências ao facto do líder religioso fazer parte da lista, o mesmo acontecendo com outros jornais turcos e com os websites do próprio concorrente, oficiais e não-oficiais. Ainda de acordo com a Prospect [ambas as revistas sentiram necessidade de justificar o ranking, com editoriais e artigos escritos não tanto sobre os vencedores, mas sobre a sua legitimidade], “a eficácia e disciplina da Fethullahcy é lendária e a tentação dos seguidores de Güllen de elevarem o seu homem ao topo de uma sondagem organizada por duas revistas ocidentais influentes foi irresistível”. Mais ainda, o editor da Prospect afirma que a vitória do líder religioso muçulmano pode ser entendida como a emergência de um novo tipo de intelectual – aquele cuja influência é expressa através de uma poderosa rede pessoal, ajudada pelo poder da internet, e não suportada por publicações ou instituições.E o que dizer dos restantes vencedores do top 10?O segundo lugar, ocupado por Yunus, polémica alguma deu. O fundador do Grameen Bank e Nobel da Paz deve ser dos poucos que, unanimemente, reúne admiradores em todos os cantos do planeta. Mas nomes como Yusuf Al-Qaradawi (Egipto/Qatar)– um popular clérigo com um ainda mais popular show televisivo na Al Jazeera- , Orhan Pamuk, turco e Nobel da Literatura em 2006, o político e conhecido advogado Aitzaz Ahsan, opositor de Pervez Musharraf, o teórico religioso, iraniano, Abdolkarim Soroush ou o antropólogo cultural Mahmood Mamdani, seguiram-se na lista, colocando o islamismo no topo da intelectualidade mundial. Salvaguardando-se (ou não) as questões políticas – os vencedores são dados como moderados e com leituras diferentes do islamismo.Para os que tentam explicar este “fenómeno”, o que acabou por acontecer foi uma espécie de “contágio” ou, como explica o editor da Prospect, este “efeito islâmico” reflecte o poder da ligação estreita existente no seio da comunidade muçulmana, especialmente no que diz respeito às suas facções mais liberais, exemplificando com os três milhões de utilizadores que tem o Facebook na Turquia, mais do que qualquer outro país, sem contar, obviamente com os Estados Unidos da América, a Grã-Bretanha e o Canadá.Seja como for, o que importa aqui realçar é a seguinte questão: continuará o público a gostar tanto de rankings (que são sempre matéria de polémica, mas que vendem) agora que sabe como é fácil manipulá-los? Para a comunidade islâmica, a pergunta não tem cabimento. Pelo menos e oficialmente, neste momento, são eles que lideram o ranking dos neurónios publicado por duas revistas muito ocidentais.
E quem são os “outros”?
Noam Chomsky, linguista e activista, e crítico da política estrangeira norte-americana – desde a guerra do Vietname -, fica à frente do muito inteligente Al Gore, político, ambientalista, Nobel e, ao que se sabe, promotor de uma ópera que terá como tema a sua Verdade Inconveniente. Segue-se o historiador e professor na Princeton University, Bernard Lewis, conhecido pelos estudos que faz relativamente ao antagonismo entre o Islão e o Ocidente, um conflito que atribui ao fracasso do primeiro em se adaptar à modernidade e o italiano romancista e semiólogo , Umberto Eco. Um pouco mais à frente (ou melhor, atrás) na lista encontra-se o indiano Amartya Sen, um economista do desenvolvimento e Nobel da Economia em 1998 e o famoso jogador de xadrez russo, Garry Kasparov, que para além de mover peças em tabuleiros, é um activista da democracia e opositor de Putin. O biólogo britânico Richard Dawkins, acérrimo defensor da ciência e da racionalidade fecha a lista dos 20 em conjunto com o gigante da literatura Mario Vargas Llosa, que utiliza as palavras para expor a tirania e a injustiça."


Razão para lembrar Show Nico, "...e os piratas somos nós!"


Àmen,

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