quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Sobre o 5º poder asfixiado

Recomendo a consulta deste texto e dos seus links.
Por coincidência, o ano passado tive a oportunidade de fazer um trabalho aprofundado sobre a liberdade de imprensa na Lituânia (parece excêntrico mas é verdade), e o principal indicador que utilizei foi exactamente este barómetro da Organização Repórteres sem Fronteiras.
Na Lituânia os jornalistas, e restantes profissionais dos media, gozam de uma imensa reputação social, pois foram eles que, em grande medida, mantiveram viva a língua nativa assim como alguns espaços de crítica e de liberdade durante a ocupação soviética. Os hábitos de consumo de media sobreviveram à democratização do país e até floresceram com a entrada de grandes grupos de comunicação internacionais no mercado lituano. Para quem não sabe, a Lituânia tem uma tiragem de jornais diários equivalente a 1/3 da sua população total, e em várias línguas (lituano, russo e sueco). Com uma alfabetização superior a 99%, toda a gente lê tudo sobre tudo.
Ao ler alguns textos locais traduzidos para inglês, verifiquei que o que por lá é corriqueiro de se escrever sobre os assuntos mais sérios, aqui nem no pasquim "Fala Barato" seria admissível. Qual rigor e imparcialidade? Qual código de conduta profissional? Qual mero cuidado estético e de linguagem no tratamento das mais nobres instituições nacionais e internacionais? Lá, cada jornalista faz da sua página o seu púlpito e vale tudo: insultos, insinuações, realidades virtuais e até noticias inventadas. Com o desmantelamento da União Soviética, a Lituânia teve que criar o seu próprio ordenamento jurídico constitucional (mais próximo dos das democracias europeias ocidentais). Por lapso, ou nem por isso, mais por receio do poder que detêm os media na Lituânia, a legislação local era absolutamente omissa sobre a prática do jornalismo. Não existiam quaisquer crimes, e logo, quaisquer contra-ordenações associadas, sobre o que quer que se escrevesse ou se dissesse sob as vestes de jornalista. Então porque é que a RSF colocava a Lituânia mais de 40 lugares abaixo de Portugal no ranking de 2006?
Não era absolutamente livre a pratica do jornalismo naquele país?
A resposta é tão simples quanto isto. À época, e perante as inúmeras calúnias, injúrias e mentiras que quotidianamente eram propaladas pelos media locais, o governo lituano tentava aprovar uma lei que regulamentasse a prática do jornalismo no seu país, à luz do que acontece em qualquer país livre. Uma das formas de retaliação da corporação jornalística Lituana foi envenenar a opinião pública internacional contra o poder político local, também através de uma resposta extremamente negativa ao inquérito que a RSF lhes enviou. Um case study que talvez ajude a explicar a súbita queda de Portugal no ranking dos países com maior liberdade de imprensa.
A classe jornalística, à escala planetária, lida bem com uma liberdade (e ainda bem que a defende), mas é avessa à responsabilização, e em algumas das democracias mais liberais, coopera involuntariamente na asfixia social que as transforma em sociedades carentes de verdadeira informação.

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