terça-feira, 16 de setembro de 2008

Consumidores e interesse público vs. interesses corporativos

Num relatório sobre o sector dos serviços profissionais e dos associações profissionais (disponível aqui), a autoridade de concorrência vem chamar a atenção para um conjunto de problemas de concorrência detectados neste tipo de serviços.

Que serviços são estes? Médicos, enfermeiros, dentistas, veterinários, farmacêuticos, arquitectura, advogados, notários, solicitadores, economistas, técnicos e revisores oficiais de contas, biólogos, engenheiros, entre muitos outros.

Que problemas são estes? São velhos conhecidos:
(i) Restrição no acesso ao exercício de uma determinada profissão;
(ii) A regra cada vez mais geral e não excepcional que faz depender o exercício de uma profissão de um determinado grau académico;
(iii) O problema da exigência de inscrição obrigatória numa ordem ou associação profissional para poder exercer uma profissão;
(iv) A pré-fixação de tabelas de honorários mínimos;
(v) A existência de regras internas nos estatutos ou código deontólogicos e de práticas dirigidas não aos interesses dos consumidores ou à garantia do interesse público mas única e exclusivamente aos interesses corporativos; ou ainda
(vi) Os limites à publicidade.

O relatório tem ainda em atenção a reforma estrutural verificada no ensino superior em consequência do Processo de Bolonha, bem como duas importantes directivas que aguardam transposição: a famosa Directiva Bolkestein ou Directiva Serviços e a directiva relativa ao reconhecimento das qualificações e graus académicos.

O contraste entre Portugal e Espanha é mais do que evidente.

Enquanto em Espanha se está a elaborar um novo enquadramento dos serviços profissionais, num quadro de grande debate nacional (daí a apresentação pela autoridade de concorrência espanhola do relatório atrás referido), já em Portugal - e sem qualquer discussão pública - foi aprovada uma lei ainda mais corporativa do que o "status quo": o chamado "Regime das Associações Públicas Profissionais" (Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro) que tem a esperteza saloia - não pode ter outro nome - de apenas ser obrigatório para as associações que venham a constituir-se após a sua entrada em vigor e nem sequer prever qualquer exigência de adaptação às já existentes, ainda que durante um período de transição.

Houve quem argumentasse que com este diploma, com regras aparentemente mais rígidas sobre a criação, a organização e funcionamento das associações públicas profissionais, se daria uma resposta efectiva à pressão sobre o Estado para a criação de novas associações públicas profissionaisl. Esta seria uma espécie de "lei travão" nesta matéria. Acontece que já na senda deste diploma foi criada mais uma nova ordem: a Ordem dos Psicólogos (de que já falei aqui há uns tempos). Gostaria de ver o estudo independente, que o "Regime das Associações Públicas Profissionais" passou a exigir, sobre a necessidade da Ordem dos Psicólogos em termos de realização do interesse público e sobre o impacto sobre a regulação da profissão de psicólogo.

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